Frases de Vergílio Ferreira

O ciúme. Que irritante. Ele é uma expressão da avidez da propriedade. Ou da petulância do domínio. Ou do gosto da escravização.

Pensar. E se o pensar fosse uma doença, mesmo que dela resulte uma pérola?

Trabalhar um livro até à minúcia de uma palavra. E depois um leitor engolir tudo à pressa para saber ‘de que se trata’. Vale a pena requintar um vinho para se beber como o carrascão?

A morte nunca se aprende, mas pode-se saber-se de cor. As guerras sabem-no. E as epidemias. E um simples agente funerário.

Não se faz arte com bons sentimentos. Mas com os maus também não. Porque quando se entra em arte, a moral fica à porta e só entra nela a inocência que se ignora.

O mais odioso da guerra é a paixão que por ela se tem.

Mas de vez em quando ergueste ainda frenético, como esse velho de que se conta que fazia amor uma vez por ano…

Há o que tem limite e o que é sem-limite. A arte é a forma perfeita da consciência destes opostos.

O contrário do pessimismo raramente é o optimismo. O contrário do pessimismo, se não é a boa intenção de injetar força nos fracos, o que é bonito e faz bem, é quase sempre a idiota.

O grande paradoxo do artista é ter de tornar invisível a visibilidade do artifício com que torna visível esse invisível.

O mais profundo duma palavra é o que há nela de sagrado. Deus tê-la-á dessacralizado quando com ela criou o mundo. Mas nós sacralizamo-la de novo quando o recriamos com ela.

Um casal de velhos tem o mesmo sexo.

O que é trágico na velhice é que a morte é normal. E a sua vantagem também.

De um velho para um jovem uma verdade pode ser a mesma. Mas para cada um, ela varia ao menos nas pulsações por minuto.

Toda a explicação pressupõe o conhecimento do inexplicável, ou seja, do que seria mais interessante explicar.

Vê se uma tua ideia se não torna um lugar-comum para te não dizerem que te serves de um lugar-comum quando por acaso a repetires.

O amor e o ódio são irmãos. Mas o ódio é um irmão bastardo.

Numa epidemia a morte é desvalorizada. Porque se não desvaloriza no nosso quotidiano, que é como se houvesse também uma epidemia, embora ao retardador?

Deus morreu. Não digas que isso é absurdo e ininteligível, só porque as seitas religiosas enxameiam hoje o mundo. Porque é quando uma doença é incurável que há mais abundância de remédios para a curar. Como a proliferação de religiões no fim do império romano era o sinal de que a religião de Roma estava a acabar.

Se te é indiferente matar uma criança ou uma mosca, podes dizer com verdade que estão mortos todos os valores. Mas nesse caso e em coerência com essa verdade, deve ser-te indiferente continuares livre ou seres presos. Ou enforcado.

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