Frases para Refletir

[Futebol] em nenhum outro caso o jogo termina com tal apoteose como nos pênaltis. Em nenhuma outra circunstância o futebol se reduz tanto a um pormenor como nos pênaltis. Em nenhum outro instante é tão simples identificar o herói e o vilão como nos pênaltis.

Há muito tempo que vinha tomando atenção a conversas daquela natureza: entre operários ao almoço, entre uma esteticista e uma cliente, entre dois gravatas que se cruzavam no quiosque, entre miúdas bebendo copos na rua. Ninguém se ouvia. E talvez a explicação até estivesse na escola, que ensinara a participação, mesmo a alarve, quando a inteligência, muito provavelmente, se encontrava no silêncio. Em todo o caso, não se podia entender este mundo sem considerar a solidão – e essa é que era a tragédia.

Conheço vários solteiros que se dizem satisfeitos com a sua condição de solteiros, mas que de bom grado imediatamente se casariam. Não se casam por inércia, por cobardia, muitas vezes por falta de sorte – mas é por uma vida a dois que suspiram.

Sei que um homem com um mínimo de volume inspira segurança a uma mulher. Para dizer a verdade, faço um julgamento moral dos homens que têm demasiado cuidado com o seu aspecto. Num mundo tão cheio de tentações, em alguma delas se há-de cair – e antes na boa mesa do que na droga ou na política.

Afinal de contas, talvez eu próprio estivesse, naquela época, a representar esse papel de amante, esse papel de vício revivificador. Mais do que a representar um papel, aliás: a personificar de facto um milagre na vida de alguém, salvando-lhe o casamento, oferecendo-lhe a oportunidade de proteger-se dos filhos durante uma noite ocasional, dando-lhe pelo menos uma de dezoito irrebatíveis razões para fugir de casa, ainda que por instantes apenas.

Os ignorantes gostam de ser snobes porque também eles respeitam mais os snobes. Veem um ignorante igual a eles, mas exacerbando maneirismos, e de pronto pensam de si para si: «Este tipo, afinal, é seleto.» Os ignorantes aprendem depressa a palavra «seleto». É outra das suas ferramentas para serem seletos. Ou snobes.

Onde quer que haja mais de dois homens, há também duas capelinhas, formadas e desfeitas ao sabor dos pactos de circunstâncias e das susceptibilidades acumuladas.

As pessoas dão uma importância à verdade que ela não tem.

O inferno são os outros, dizia Sartre, o supremo filósofo pós-freudiano. O inferno são os outros, tanto quanto nós próprios – e em nós habitam tanto o Inferno como o Céu. Todo o Bem, como de resto todo o Mal, está no Homem – e permanecerão ambos no Homem quando um dia, como é inevitável, ele for contagiado.

As crianças, nem é preciso dizê-lo, são crudelíssimas. Nascem selvagens, infinitamente mais mesquinhas do que pretendeu Rousseau – e naquelas idades, desprovidas tantas vezes dos mais básicos códigos de socialização (que muitas não chegarão a integrar), estão ainda perigosamente próximas da irracionalidade absoluta.

Trazemos conosco isto de que ser português é ser mesquinho, pobres de espírito, egoísta – e, quando se trata de falar dos “portugueses em geral”, nunca somos um deles. Curiosidade: o hábito não é especialmente lusitano.

Um homem passa por tudo: coisas boas e coisas más, casamentos e divórcios, nascimentos e mortes – e não consegue, no fim, construir um olhar suficientemente irónico que o livre do azedume? Ou é estúpido ou a vida foi-lhe especialmente ingrata – e, como três quartos dos velhos maus que conheço são pelo menos de classe média, portanto fundamentalmente ricos, eu começava a confiar mais na primeira hipótese.

É uma vingança (…) E movida pelo amor, que é a espécie mais devastadora.

Para uma certa categoria de pobres diabos, já se sabe, a arrogância revela-se muitas vezes uma ferramenta de enorme utilidade. Em Lisboa, pelo menos, é assim: uma pessoa pode ser modesta, ignorante e frágil, mas se puser um ar de superioridade ganha logo ascendente na relação com a pessoa em frente.

Nós nunca sabemos bem o que a nossa memória vai reter – e não raras vezes damos por nós surpreendidos com uma recordação inútil, tirada de um filme série B ou apenas de um dia sem inspiração (mas que, apesar disso, nos repovoa sempre que determinada situação se repete).

O facto é que as emoções dos pobres eram mais francas, mais gratuitas e inapeláveis – e que, de cada vez que eu o recapitulava, lembrava-me da minha própria família.

Pensando bem, a mais ténue fronteira entre a sanidade e a loucura não poderá traçar-se noutro lugar senão aí mesmo: na possibilidade de, para além de tudo o mais, um homem continuar a admirar o seu pai. Pobres daqueles que não o consigam nunca.

No fundo, era tudo tão maquinal e coreografado, tudo tão simples e ingénuo, que já não podia ofender ninguém, aquele primeiro ato da nossa farsa anual. Mas a verdade é que por detrás da comédia se ocultavam mágoas antigas, demasiado antigas – e que, nessas mágoas, todos éramos, ao mesmo tempo, vítimas e algozes. Cada família seu manicômio, dizia o povo, e talvez até o dissesse bem.

Toda a ilha é um continente.

[Futebol] É uma fórmula, o pênalti. Uma equação com três parcelas: força, colocação e dissimulação. Observar duas delas é sempre suficiente para penetrar nos jardins do Olimpo. Um pênalti marcado com força, bem colocado, e em que o guarda redes seja enganado, entra sempre. Mas um pênalti forte e colocado também entra, mesmo sem dissimulação. Um pênalti dissimulado e forte sobreviverá sem colocação. E um pênalti colocado e dissimulado é sempre golo, ainda que não tenha muita força. É a ciência ao serviço da arte. Sim: o pênalti é o mínimo múltiplo comum entre arte e ciência.

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