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Qualquer pessoa, velha ou nova. Não se iluda quanto ao grau de maldade que pode reunir-se numa criança de nove anos.

As mentiras que as pessoas contavam a si próprias pareciam-lhe o mais delicado e fundamental equilíbrio em que assentava a ordem do mundo.

Parecia saber quando protegê-lo e quando educá-lo, e em momentos de fraqueza chegava a ponderar se, havendo podido ser dono de um cão antes de ser pai de uma criança, não teria afinal conseguido corresponder a pelo menos uma parte daquilo que se espera de um homem.

Não há ódio como aquele em que a culpa se transforma quando já não se pode transformar em mais nada.

Nenhum homem (…) podia considerar a sua vida completa até regressar a casa.

Habituara-se a olhar para si mesmo como um homem instruído o suficiente para condescender com a crueldade de que a ignorância sempre se revestia.

“As pessoas zangam-se pouco, hoje em dia. Pouco e mal. Anda tudo cheio de “”social skills”” e de terapia comportamental e de sei lá mais o quê.”

Maravilhava-me, mais do que o belo em si, o que as pessoas tinham por belo. O seu belo. As suas coisas. As suas coisinhas. As que encaixavam com demasiada perfeição na decoração geral, tudo combinado, equilibrado, concluído – e mais ainda as que não encaixavam em nada, em que ela insistia apesar dos protestos do marido, em que ele fazia finca-pé apesar do desdém da mulher, de que nenhum dos dois gostava mas também não tinha coragem para deitar fora.

A ex-mulher de um grande homem não se torna a casar. E, se torna, vai assim, com um nó no estômago.

[Futebol] em nenhum outro caso o jogo termina com tal apoteose como nos pênaltis. Em nenhuma outra circunstância o futebol se reduz tanto a um pormenor como nos pênaltis. Em nenhum outro instante é tão simples identificar o herói e o vilão como nos pênaltis.

Há muito tempo que vinha tomando atenção a conversas daquela natureza: entre operários ao almoço, entre uma esteticista e uma cliente, entre dois gravatas que se cruzavam no quiosque, entre miúdas bebendo copos na rua. Ninguém se ouvia. E talvez a explicação até estivesse na escola, que ensinara a participação, mesmo a alarve, quando a inteligência, muito provavelmente, se encontrava no silêncio. Em todo o caso, não se podia entender este mundo sem considerar a solidão – e essa é que era a tragédia.

Conheço vários solteiros que se dizem satisfeitos com a sua condição de solteiros, mas que de bom grado imediatamente se casariam. Não se casam por inércia, por cobardia, muitas vezes por falta de sorte – mas é por uma vida a dois que suspiram.

Sei que um homem com um mínimo de volume inspira segurança a uma mulher. Para dizer a verdade, faço um julgamento moral dos homens que têm demasiado cuidado com o seu aspecto. Num mundo tão cheio de tentações, em alguma delas se há-de cair – e antes na boa mesa do que na droga ou na política.

Afinal de contas, talvez eu próprio estivesse, naquela época, a representar esse papel de amante, esse papel de vício revivificador. Mais do que a representar um papel, aliás: a personificar de facto um milagre na vida de alguém, salvando-lhe o casamento, oferecendo-lhe a oportunidade de proteger-se dos filhos durante uma noite ocasional, dando-lhe pelo menos uma de dezoito irrebatíveis razões para fugir de casa, ainda que por instantes apenas.

Os ignorantes gostam de ser snobes porque também eles respeitam mais os snobes. Veem um ignorante igual a eles, mas exacerbando maneirismos, e de pronto pensam de si para si: «Este tipo, afinal, é seleto.» Os ignorantes aprendem depressa a palavra «seleto». É outra das suas ferramentas para serem seletos. Ou snobes.

Onde quer que haja mais de dois homens, há também duas capelinhas, formadas e desfeitas ao sabor dos pactos de circunstâncias e das susceptibilidades acumuladas.

As pessoas dão uma importância à verdade que ela não tem.

O inferno são os outros, dizia Sartre, o supremo filósofo pós-freudiano. O inferno são os outros, tanto quanto nós próprios – e em nós habitam tanto o Inferno como o Céu. Todo o Bem, como de resto todo o Mal, está no Homem – e permanecerão ambos no Homem quando um dia, como é inevitável, ele for contagiado.

As crianças, nem é preciso dizê-lo, são crudelíssimas. Nascem selvagens, infinitamente mais mesquinhas do que pretendeu Rousseau – e naquelas idades, desprovidas tantas vezes dos mais básicos códigos de socialização (que muitas não chegarão a integrar), estão ainda perigosamente próximas da irracionalidade absoluta.

Trazemos conosco isto de que ser português é ser mesquinho, pobres de espírito, egoísta – e, quando se trata de falar dos “portugueses em geral”, nunca somos um deles. Curiosidade: o hábito não é especialmente lusitano.

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