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Estando em terra, chego ao Céu voando# numa hora acho mil anos, e é de jeito que em mil anos não posso achar um’hora.

Vira-se claramente, ó Dama delicada, que em vós se esmerou mais a Natureza# e eu, de gente em gente, trouxera trasladada em meu tormento vossa gentileza. Somente a aspereza de vossa condição, Senhora, não dissera, porque se não soubera que em vós podia haver algum senão. E se alguém, com razão, — Porque morres? dissera, respondera: — Mouro porque é tão bela que inda não sou para morrer por ela.

Pintara os olhos belos que trazem nas mininas o Minino que os seus neles cegou# e os dourados cabelos em tranças d’ouro finas a quem o Sol seus raios abaixou# a testa que ordenou natura tão formosa# o bem proporcionado nariz, lindo, afilado, que a cada parte tem a fresca rosa# a boca graciosa, que querê-la louvar é escusado# enfim, é um tesouro: os dentes, perlas# as palavras, ouro.

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente. Em minha perdição se conjuraram# Os erros e a Fortuna sobejaram, que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei# mas tenho tão presente a grande dor das cousas que passaram, que as magoadas iras me ensinaram a não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos# Dei causa (a) que a Fortuna castigasse as minhas mal fundadas esperanças.

Se me pergunta alguém porque assim ando, respondo que não sei# porém suspeito que só porque vos vi, minha Senhora.

Um encolhido ousar# uma brandura# um medo sem ter culpa# um ar sereno# um longo e obediente sofrimento: Esta foi a celeste formosura da minha Circe, e o mágico veneno que pôde transformar meu pensamento.

Tanto de meu estado me acho incerto, que em vivo ardor tremendo estou de frio# sem causa, juntamente choro e rio, o mundo todo abarco e nada aperto. 

É tudo quanto sinto, um desconcerto# da alma um fogo me sai, da vista um rio# agora espero, agora desconfio, agora desvario, agora acerto. 

Um mover de olhos, brando e piedoso, sem ver de quê# um riso brando e honesto, quase forçado# um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso#

Um despejo quieto e vergonhoso# um repouso gravíssimo e modesto# uma pura bondade, manifesto indício da alma, limpo e gracioso#

Que posto que estivesse apercebido, não levais de vencer-me grande glória# maior a levo eu de ser vencido.

Pôs na boca os rubis, e na pureza do belo rosto as rosas, por quem mouro# no cabelo o valor do metal louro# no peito a neve em que a alma tenho acesa.

Jura Amor que brandura de vontade causa o primeiro efeito# o pensamento e endoudece, se cuida que é verdade.

Campo, que te estendes com verdura bela# ovelhas, que nela vosso pasto tendes, de ervas vos mantendes que traz o Verão, e eu das lembranças do meu coração.

Gados que pasceis dom contentamento, vosso mantimento não no entendereis# isso que comeis não são ervas, não: são graças dos olhos do meu coração.

Mas todas suas iras são de amor# todos estes seus males são um bem, que eu por todo outro bem não trocaria.

Amor é brando, é doce e é piadoso. quem o contrário diz não seja crido# seja por cego e apaixonado tido, e aos homens, e inda aos deuses, odioso.

Se males faz Amor, em mi se vêem# em mi mostrando todo o seu rigor, ao mundo quis mostrar quanto podia.

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